segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O LEGADO DA COPA DE 2014

Hoje, no país do futebol não se consegue pensar em urbanismo, sem se falar na Copa do Mundo de 2014, como se esta fosse a meta final brasileira e, a partir daí tudo ficar resolvido. É uma pena que nossos preparativos não se restringem às construções, reformas e melhorias dos estádios. Há também que se tratar das obras e serviços de infraestrutura urbana. A infraestrutura brasileira deveria estar em ordem há muitas décadas e sua expansão, modernização e manutenção deveria ser uma rotina civilizada. Afinal, os estádios estão a exigir a menor parcela do investimento para a realização do evento esportivo mais importante do mundo no ano de 2014.

Dificilmente haverá tempo para se recompor o atendimento às nossas populações até 2014. Assim, o legado tão propalado pela FIFA, certamente não será a completa adequação de nossa infraestrutura. Mas esse legado está propiciando a percepção da fragilidade em que se encontram os serviços públicos nas nossas maiores cidades.

Em todas as cidades escolhidas para sediarem grupos de seleções há problemas.

O reaquecimento da economia é motivo de comemoração, mas tem seus inconvenientes, pois possibilitou significativo acréscimo na frota de automóveis particulares. Todas as cidades apresentam congestionamentos de trânsito nas horas de pico. Nas metrópoles, as imensas dificuldades de mobilidade se alongam por todo o dia. É preciso redimensionar os logradouros públicos.

O transporte público é insuficiente e quase sempre de baixa qualidade, para servir de alternativa à população na locomoção de superfície. Mesmo os sistemas melhor qualificados, como o metrô de São Paulo, por exemplo, apresentam problemas de superlotação, indicando a inexistência de outros meios alternativos de qualidade equiparável. A malha viária está completamente saturada.

Com exceção do Estado de São Paulo, as rodovias que ligam as capitais a cidades próximas, em até 100 km de distância, apresentam péssimo estado de conservação. Certamente inibirão um bom atendimento ao tráfego esperado nos dias de jogos, alijando o uso da rede hoteleira da região.

O sistema ferroviário brasileiro para o transporte de passageiros em média e longa distância, infelizmente foi extinto em nosso país. O transporte em ferrovias suburbanas é simplesmente inumano, tanto pela superlotação, quanto pela falta de conservação e higiene dos vagões.

Os sistemas de saúde pública estão em situação calamitosa. Em decorrência, os hospitais particulares também apresentam problemas de atendimento, além dos preços exorbitantes gerados pelo excesso de demanda. O transporte de pacientes em emergência é precário e também enfrenta os problemas de locomoção.

O sistema de transporte aéreo sofre os mesmos problemas que o transporte particular. A melhoria da economia produziu uma explosão do uso do avião. Os vôos se sucedem vertiginosamente em vã tentativa de bem atender à demanda. Como conseqüência, os aeroportos operam no limite da segurança, com desconforto incompatível com a natureza do modal de transporte.

O sistema de energia elétrica brasileiro também já está operando no limite da segurança há muito tempo, sem que tenha havido aumento da oferta na mesma proporção do aumento da demanda. Os denominados apagões voltaram a se suceder com freqüência indesejável e, talvez, insuportável.    

A segurança pública brasileira é falha. Faltam corporações policiais em quantidade e treinamento de seus componentes. Faltam armamentos. Os salários são baixos o suficiente para suscitar desvios de conduta dos pró-homens da polícia, todos a um passo do banditismo florescente e rico que desponta em todas as cidades brasileiras.

No saneamento básico, há falhas inaceitáveis. Os sistemas de abastecimento de água potável estão à beira do colapso, pois não recebem investimentos suficientes há mais de 20 anos. O esgotamento sanitário se restringe à coleta dos efluentes que, em pelo menos 80%, são despejados em bruto no corpo d’água natural mais próximo; não há tratamento dos dejetos. A drenagem urbana tem se revelado inadequada e insuficiente para o escoamento dos deflúvios, disto resultando monumentais alagamentos que demoram exageradamente para esvaziarem. Não há coordenação adequada na coleta de lixo, sobretudo para que inexistam sacos nos horários das chuvas de verão, assim concorrendo para agravar os alagamentos. As enchentes paralisam o trânsito e disseminam doenças na população.

Estamos tão acostumados com estes problemas, que talvez o leitor ache que carreguei demasiadamente nas tintas de suas descrições. Mas a situação da nossa infraestrutura é bem assim como descrevi. Como tenho dito, isto é fruto da prolongada crise econômica que experimentamos entre meados dos anos oitenta e o início deste novo século. Temos que fazer tudo de novo e tudo novo por fazer.


Será uma tarefa árdua atacarmos tantos problemas de uma só vez. Mas não é missão impossível. A longa caminhada começa pelo primeiro passo. E, já que estamos falando de Copa do Mundo, nossa torcida será a favor do empreendimento notável que se apresenta. Quanto mais conseguirmos fazer, melhor será, mas se atingirmos apenas algumas metas, o legado da Copa ter-se-á cumprido.

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