Hoje, no país do futebol não se
consegue pensar em urbanismo, sem se falar na Copa do Mundo de 2014, como se
esta fosse a meta final brasileira e, a partir daí tudo ficar resolvido. É uma
pena que nossos preparativos não se restringem às construções, reformas e
melhorias dos estádios. Há também que se tratar das obras e serviços de
infraestrutura urbana. A infraestrutura brasileira deveria estar em ordem há
muitas décadas e sua expansão, modernização e manutenção deveria ser uma rotina
civilizada. Afinal, os estádios estão a exigir a menor parcela do investimento
para a realização do evento esportivo mais importante do mundo no ano de 2014.
Dificilmente haverá tempo para se
recompor o atendimento às nossas populações até 2014. Assim, o legado tão
propalado pela FIFA, certamente não será a completa adequação de nossa
infraestrutura. Mas esse legado está propiciando a percepção da fragilidade em
que se encontram os serviços públicos nas nossas maiores cidades.
Em todas as cidades escolhidas
para sediarem grupos de seleções há problemas.
O reaquecimento da economia é
motivo de comemoração, mas tem seus inconvenientes, pois possibilitou
significativo acréscimo na frota de automóveis particulares. Todas as cidades
apresentam congestionamentos de trânsito nas horas de pico. Nas metrópoles, as
imensas dificuldades de mobilidade se alongam por todo o dia. É preciso
redimensionar os logradouros públicos.
O transporte público é
insuficiente e quase sempre de baixa qualidade, para servir de alternativa à
população na locomoção de superfície. Mesmo os sistemas melhor qualificados,
como o metrô de São Paulo, por exemplo, apresentam problemas de superlotação,
indicando a inexistência de outros meios alternativos de qualidade equiparável.
A malha viária está completamente saturada.
Com exceção do Estado de São
Paulo, as rodovias que ligam as capitais a cidades próximas, em até 100 km de
distância, apresentam péssimo estado de conservação. Certamente inibirão um bom
atendimento ao tráfego esperado nos dias de jogos, alijando o uso da rede
hoteleira da região.
O sistema ferroviário brasileiro
para o transporte de passageiros em média e longa distância, infelizmente foi
extinto em nosso país. O transporte em ferrovias suburbanas é simplesmente
inumano, tanto pela superlotação, quanto pela falta de conservação e higiene
dos vagões.
Os sistemas de saúde pública
estão em situação calamitosa. Em decorrência, os hospitais particulares também
apresentam problemas de atendimento, além dos preços exorbitantes gerados pelo
excesso de demanda. O transporte de pacientes em emergência é precário e também
enfrenta os problemas de locomoção.
O sistema de transporte aéreo
sofre os mesmos problemas que o transporte particular. A melhoria da economia
produziu uma explosão do uso do avião. Os vôos se sucedem vertiginosamente em
vã tentativa de bem atender à demanda. Como conseqüência, os aeroportos operam
no limite da segurança, com desconforto incompatível com a natureza do modal de
transporte.
O sistema de energia elétrica
brasileiro também já está operando no limite da segurança há muito tempo, sem
que tenha havido aumento da oferta na mesma proporção do aumento da demanda. Os
denominados apagões voltaram a se suceder com freqüência indesejável e, talvez,
insuportável.
A segurança pública brasileira é
falha. Faltam corporações policiais em quantidade e treinamento de seus
componentes. Faltam armamentos. Os salários são baixos o suficiente para
suscitar desvios de conduta dos pró-homens da polícia, todos a um passo do
banditismo florescente e rico que desponta em todas as cidades brasileiras.
No saneamento básico, há falhas
inaceitáveis. Os sistemas de abastecimento de água potável estão à beira do
colapso, pois não recebem investimentos suficientes há mais de 20 anos. O
esgotamento sanitário se restringe à coleta dos efluentes que, em pelo menos
80%, são despejados em bruto no corpo d’água natural mais próximo; não há
tratamento dos dejetos. A drenagem urbana tem se revelado inadequada e
insuficiente para o escoamento dos deflúvios, disto resultando monumentais
alagamentos que demoram exageradamente para esvaziarem. Não há coordenação
adequada na coleta de lixo, sobretudo para que inexistam sacos nos horários das
chuvas de verão, assim concorrendo para agravar os alagamentos. As enchentes
paralisam o trânsito e disseminam doenças na população.
Estamos tão acostumados com estes
problemas, que talvez o leitor ache que carreguei demasiadamente nas tintas de
suas descrições. Mas a situação da nossa infraestrutura é bem assim como
descrevi. Como tenho dito, isto é fruto da prolongada crise econômica que
experimentamos entre meados dos anos oitenta e o início deste novo século.
Temos que fazer tudo de novo e tudo novo por fazer.
Será uma tarefa árdua atacarmos
tantos problemas de uma só vez. Mas não é missão impossível. A longa caminhada
começa pelo primeiro passo. E, já que estamos falando de Copa do Mundo, nossa
torcida será a favor do empreendimento notável que se apresenta. Quanto mais
conseguirmos fazer, melhor será, mas se atingirmos apenas algumas metas, o
legado da Copa ter-se-á cumprido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário