sexta-feira, 27 de novembro de 2015

POR QUÊ A ENGENHARIA ESTÁ CALADA?

Dentre tantas mazelas que depreciam a prática da engenharia vindas a furo nos últimos tempos, tão nefasta quanto a prática da corrupção é a incompetência técnica que tomou conta dos nossos engenheiros. Estão calados principalmente por ignorância profissional. Mas também por conivência, por medo, por falta de lideranças capazes de ser honestas. As entidades de engenheiros estão caladas. 

Por enquanto, refiro-me ao acidente de ruptura da barragem de contenção de rejeitos de Mariana, em Minas Gerais.

Tal ruptura foi tragédia anunciada. Compulsando a magnífica publicação “A História das Barragens no Brasil – Séculos XIX, XX e XXI”, em 2011, comemorando seus 50 anos. o CBDB – Comitê Brasileiro de Barragens, na página 369, apresenta um capítulo específico sobre “As Barragens de Rejeitos no Brasil: Sua evolução nos últimos anos”, de autoria dos eminentes engenheiros Joaquim Pimenta de Ávila e Marta Sawaya.

Chama a atenção a constatação pelos autores de que “a construção de barragens de rejeitos no Brasil teve por muitos anos aplicada a prática de utilizar os equipamentos de lavra, com orientação de engenheiros de minas, especializados nas técnicas de lavra, construindo aterros com o material estéril removidos da mina (...)”.

Mais adiante, os autores revelam que “os acidentes em barragens de rejeitos continuam insistentemente a ocorrer no Brasil [cujas causas decorrem da não aplicação] de tecnologia disponível e as deficiências decorrem da não aplicação de ações voltadas a garantir a segurança de estruturas”.

Os autores revelam que foram 30 anos de esforços da engenharia de barragens para que o governo federal estabelecesse uma lei de política nacional de segurança de barragens, a de n.º 12.334/2010. Não obstante o título pomposo, a meu ver, essa lei, como grande parte dos diplomas legais publicados nos últimos 12 anos é vazia de tecnicismo; não passa de uma inocente carta de intenções.

A ruptura ocorrida em Mariana é “apenas” mais uma clamorosa irresponsabilidade de engenheiros. E as entidades de engenharia estão caladas. É uma pena. Perdem-se mais algumas oportunidades para discutir os grandes problemas que o setor enfrenta e para o aprendizado com o erro.

Vale a pena lembrar um de meus editoriais, o do Jornal do Instituto de Engenharia, o de n.º 55, no qual, em dezembro de 2009, expus as vísceras de uma sociedade malconduzida. De lá para cá tudo piorou. Senão vejamos:

Falta engenharia nas obras de engenharia

Acidentes em obras ocorrem por muitas causas. Desde desconhecimentos de situações ou soluções aplicáveis em determinadas obras, ou por defeitos na correta avaliação da resistência dos materiais empregados e/ou da estabilidade das estruturas concebidas face às solicitações previstas para a sua operação. Podem ocorrer acidentes e desabamentos em estruturas definitivas, mas, na maioria dos casos, estes acontecem durante a construção. Isso nos leva à suposição de que não houve o devido cuidado de praticar Engenharia nas obras provisórias.

Desprezam-se os cálculos de formas, escoramentos, cimbramentos e apoios. Descuida-se de estudos de métodos construtivos seguros e eficazes. Negligencia-se na instalação de anteparos e plataformas de proteção do entorno contra a queda de ferramentas, materiais, peças e pessoas. Desconsideram solicitações das cargas efetivas e transitórias, inclusive de vento, enchentes, intempéries etc.

Se considerarmos que acidentes em obras de Engenharia ocorrem por imperícia, imprudência ou negligência, com incidência isolada ou com incidência conjunta desses fatores, o engenheiro qualificado tem por dever atuar apenas se dominar o conhecimento técnico sobre a tarefa a que se propõe executar e ter presente a observação dos cuidados com a resistência e estabilidade das estruturas provisórias e permanentes em execução, ou seja, com perícia e oportunidade, assim como acompanhar responsavelmente a evolução da obra (jamais negligenciar).

Mas, o cerne do problema está na própria classe profissional do engenheiro que deveria impor a boa prática da profissão. Falta Engenharia nas obras de engenharia. O engenheiro tem muitos deveres a cumprir e exigir o seu cumprimento, segundo nosso Código de Ética, dos quais ressalto alguns: a profissão é bem social e cultural da humanidade; a profissão é alto título de honra, devendo ser exercida com conduta honesta, digna e cidadã; a profissão deve ser desempenhada nos limites da capacidade pessoal do profissional; o profissional engenheiro tem o dever de alertar sobre os riscos que vier a observar em trabalhos de terceiros; o profissional engenheiro só deve se pronunciar publicamente em assuntos de sua especialidade se for solicitado para tal.

A contratação de obras pela administração pública é regida pela Lei 8.666/93, segundo a qual o exame de atestados é o meio de averiguação da qualificação técnica do licitante. Esse é o critério oficial vigente, que pode ter suas falhas de aferição, mas dá indícios da potencial experiência do licitante, desde que, se empresa, ainda possua a equipe da época de expedição do atestado. 

Entretanto, é preciso observar que segundo o Código Civil Brasileiro, conforme o artigo 618, quem responde pela solidez da obra é o empreiteiro. No que tange ao dono da obra, o artigo 937 define que sua responsabilidade se limita aos danos decorrentes de ruína; porém, o dono da obra tem o direito de transferir esta responsabilidade ao empreiteiro no prazo de até 180 dias após o aparecimento do defeito, de acordo com o parágrafo único do já citado artigo 618.

Portanto, a fiscalização da execução de obras tem caráter de verificação administrativa do cumprimento do contrato. A nosso ver, o ato de o dono da obra fiscalizar sua execução não implica em assunção de co-responsabilidade por sua segurança.

É evidente que a crise do setor de obras de infra-estrutura das décadas de 80 e 90, fez perderem-se os engenheiros experientes. Talvez essa sim seja a parcela que cabe à administração pública que não teve a visão suficiente para, a despeito da crise econômica, preservar estrategicamente um bom elenco de obras e, conseqüentemente, de experts em Engenharia.

No entanto, não posso deixar de manifestar minha tristeza e constrangimento a cada vez que acontece um acidente de Engenharia, grande ou pequeno. Pelo fato de ter acontecido, indicando que pode haver colegas incompetentes; pela freqüência com que colegas se arvoram em peritos a analisar aquilo que desconhecem, pelo esquecimento subseqüente do evento, sem que se aponte o responsável pelo desastre, e finalmente, quando estes fatores negativos aparecem, perde-se a oportunidade da aprendizagem e da ampliação do conhecimento.

Eng. Aluizio de Barros Fagundes
Presidente do Instituto de Engenharia
São Paulo, dezembro/2009

Um comentário:

  1. Parabéns pelo artigo, ele toca no cerne do problema , Falta de Qualificação e Preparo, um deles.Se puder mande publicar no jornal. ESTADÃO DE São Paulo , no Boletim do Instituto de Engenharia.

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